Sob forte defesa do presidente Arthur Lira (PP-AL), a Câmara aprovou o projeto que atualiza a Lei de Improbidade Administrativa e que passa a exigir que se comprove a intenção de lesar a administração pĂșblica para que a acusação formalizada pelo Ministério PĂșblico seja recebida.
O texto-base foi aprovado nesta quarta-feira (16) por 408 votos favorĂĄveis a 67 contrĂĄrios. Os deputados rejeitaram propostas de mudanças ao projeto, que segue para o Senado.
O projeto foi apresentado em 2018 pelo deputado Roberto de Lucena (Podemos-SP) e tramitava em uma comissão especial, onde foi discutido por juristas, advogados, especialistas e deputados.
A relatoria foi entregue ao deputado Carlos Zarattini (PT-SP). Em outubro do ano passado, ele apresentou um parecer preliminar, alvo de crĂticas por excluir artigo sobre atos de improbidade administrativa que atentam contra os princĂpios da administração pĂșblica.
Diante das crĂticas recebidas, Zarattini reformulou seu parecer para que fosse votado pelo colegiado. Lira, porém, decidiu retirar o projeto da comissão especial e levar a votação diretamente ao plenĂĄrio.
O presidente da Câmara jĂĄ foi condenado em duas ações por improbidade administrativa na Justiça de Alagoas e pode se beneficiar de eventuais alterações nas regras de punição.
Antes da votação, Lira fez discurso defendendo as mudanças.
"Uns vão dizer que o que fizermos é açodamento. Outros vão dizer que é flexibilização. Vão sempre dizer alguma coisa", disse.
"Mas o importante não é o que dizem. São os nossos atos. Se eles são benéficos para o paĂs, se ajudam a melhorar a vida das pessoas."
Lira chamou a legislação vigente de ultrapassada, antiquada e disse que engessa os bons gestores pĂșblicos. Além disso, reconheceu que o texto pode ser aperfeiçoado no futuro.
Em seu discurso, o deputado acusou o procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, MĂĄrio Luiz Sarrubbo, de ter ido a seu gabinete em fevereiro para pedir que não pautasse o projeto de supersalĂĄrios que tramita na Câmara.
"Esta é a função do procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo. Que hoje se arvorou no direito de dizer nas redes sociais que esse projeto é o projeto da impunidade. Vamos tratar daqui a uns dias do que é impunidade no Congresso, no plenĂĄrio desta Casa, com maioria absoluta dos senhores deputados deliberando."
Em nota, o Ministério PĂșblico de São Paulo afirma ser da competĂȘncia do procurador-geral de Justiça "tratar diretamente com os Poderes do Estado dos assuntos de interesse do Ministério PĂșblico".
"A audiĂȘncia a que se refere o eminente presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, deu-se exatamente neste contexto. O diĂĄlogo institucional acerca das matérias que afetam o Ministério PĂșblico configura algo absolutamente republicano", informou, em nota.
"É exatamente esse diĂĄlogo que o MPSP preconiza, neste momento, no que tange ao Projeto de Lei 10887/2018, cujos termos podem transformar a Lei da Improbidade na Lei da Impunidade, algo que contraria frontalmente os interesses da sociedade, destinatĂĄria Ășltima da atuação da nossa instituição."
No Twitter, após a votação, Lira comemorou a aprovação:
"Aprovamos hĂĄ pouco a lei que regulamenta a improbidade administrativa. Todos os lĂderes trabalharam com argumentos e respeito. Não vamos nos pautar por versões das redes sociais. Aqui nós promovemos os debates, discutimos e votamos".
A Lei de Improbidade foi promulgada em 1992 em meio às denĂșncias de corrupção no governo de Fernando Collor (1990-1992), com o objetivo de penalizar na ĂĄrea cĂvel agentes pĂșblicos envolvidos em desvios.
O principal problema apontado pelos crĂticos é que as regras atuais deixam uma ampla margem de interpretação sobre o que é um ato de improbidade.
Em seu relatório, Zarattini manteve o artigo que trata dos atos que atentam contra os princĂpios da administração pĂșblica e incluiu entre as ações o nepotismo e a prĂĄtica de publicidade que personalize programas ou serviços de órgãos pĂșblicos.
Inicialmente, alguns deputados afirmavam que a definição de nepotismo usada permitia a interpretação de que seria possĂvel empregar parentes, desde que qualificados para o cargo.
Após crĂticas, o relator decidiu manter o entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal), mais rĂgido e que proĂbe nomeação na administração pĂșblica direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, estados e municĂpios, entre outras condições.
O texto prevĂȘ que a improbidade só serĂĄ considerada quando ficar "comprovado o fim de obter um proveito ou benefĂcio indevido para si mesmo ou para outra pessoa ou entidade". Pela lei atual, o gestor pode ser punido por ato culposo, sem intenção, mas que prejudique a administração pĂșblica.
Marcelo Bessa, advogado e membro do Instituto de Garantias Penais, defende a mudança.
"Da forma como estava redigido antes o artigo 11, qualquer ato culposo de um prefeito acarretava ações de improbidade, o que trouxe um pânico aos gestores, sobretudo no interior", disse.
"Ninguém queria praticar ato nenhum antes de ter vĂĄrios pareceres, o que acabava travando a própria administração pĂșblica."
Para o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), a mudança é negativa.
"O relatório legaliza a negligĂȘncia na administração pĂșblica. PolĂticos que cometam erros grosseiros com a coisa pĂșblica passam a ter imunidade. É um escĂĄrnio", afirmou.
Zarattini alterou dispositivos que tratam das penas e tirou a penalidade mĂnima. Nos atos que envolvem enriquecimento ilĂcito, ele ampliou a suspensão dos direitos polĂticos para 14 anos -na lei atual, o perĂodo é de 8 a 10 anos. Nas penas para improbidade que causam prejuĂzo ao erĂĄrio, a suspensão dos direitos polĂticos passa de 5 a 8 anos para até 12 anos.
Ele retirou a pena de suspensão de direitos polĂticos para quem violar o artigo que dispõe sobre os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princĂpios da administração pĂșblica. O relator também diminuiu a multa civil, que passou de até 100 vezes o valor da remuneração recebida para até 24 vezes.
As sanções só poderão ser executadas com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
O relator também determinou que o Ministério PĂșblico tenha exclusividade para propor ações de improbidade administrativa, o que recebeu crĂticas.
"O intuito da Câmara dos Deputados em atualizar a Lei de Improbidade Administrativa é fundamental para garantir mais segurança jurĂdica aos gestores pĂșblicos. Entretanto, o texto apresenta um grande retrocesso para a sociedade, pois retira do ente lesado a possibilidade de buscar a reparação do dano e a punição de atos Ămprobos", disse Vicente Braga, presidente da Anape (Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF).
Segundo Zarattini, a sentença nos processos de improbidade deve indicar precisamente os fundamentos que demonstrem o ato praticado, "que não podem ser presumidos".
A prescrição passa a ser de oito anos "a partir da ocorrĂȘncia do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanĂȘncia". Além disso, estabelece prazo de 180 dias corridos para que o inquérito civil para apuração do ato de improbidade seja concluĂdo, "podendo ser prorrogado uma Ășnica vez por igual perĂodo, mediante fundamentada justificativa".
Depois disso, caso não se opte pelo arquivamento, a ação deverĂĄ ser proposta em até 30 dias.
Em nota, a Anafe (Associação Nacional dos Advogados PĂșblicos Federais) também manifestou "profunda preocupação" com a votação do projeto.
"Trata-se de uma questão complexa, com reflexos importantes sobre o controle dos atos dos gestores e agentes pĂșblicos, que não poderia, portanto, ser discutida e aprovada de maneira açodada, sem a devida ponderação das consequĂȘncias das mudanças sugeridas para o interesse pĂșblico, notadamente para a adequada defesa do patrimônio pĂșblico."
O QUE PODE MUDAR NA LEI DE IMPROBIDADE
Descrição dos atos de improbidade
– Como estĂĄ hoje: o texto da lei é muito genérico sobre as situações que podem configurar improbidade, deixando margem para que até decisões e erros administrativos sejam enquadrados na legislação;
– O que pode mudar: o projeto de lei traz definições mais precisas sobre as hipóteses de improbidade e prevĂȘ que não configura improbidade a ação ou omissão decorrente da divergĂȘncia interpretativa da lei;
Forma culposa de improbidade
– Como estĂĄ hoje: a lei estabelece que atos culposos, em que houve imprudĂȘncia, negligĂȘncia ou imperĂcia podem ser objeto de punição;
– O que pode mudar: proposta deixa na lei apenas a modalidade dolosa (situações nas quais houve intenção de praticar a conduta prejudicial à administração). Medida deve promover redução significativa nas punições, pois é muito mais difĂcil apresentar à Justiça provas de que o agente pĂșblico agiu conscientemente para violar a lei;
Titular da ação
– Como estĂĄ hoje: o Ministério PĂșblico e outros órgão pĂșblicos, como a AGU (Advocacia-Geral da União) e as procuradorias municipais podem apresentar as ações de improbidade à Justiça;
– O que pode mudar: o Ministério PĂșblico terĂĄ exclusividade para a propositura das ações segundo a proposta aprovada na Câmara dos Deputados.
FOLHAPRESS