Câmara Federal aprova afrouxamento na lei da improbidade administrativa

O texto-base foi aprovado nesta quarta-feira (16) por 408 votos favorĂĄveis a 67 contrĂĄrios. Os deputados rejeitaram propostas de mudanças ao projeto, que segue para o Senado.

Por portalvirgulaparaiba.com em 16/06/2021 às 21:54:39

Sob forte defesa do presidente Arthur Lira (PP-AL), a Câmara aprovou o projeto que atualiza a Lei de Improbidade Administrativa e que passa a exigir que se comprove a intenção de lesar a administração pĂșblica para que a acusação formalizada pelo Ministério PĂșblico seja recebida.

O texto-base foi aprovado nesta quarta-feira (16) por 408 votos favorĂĄveis a 67 contrĂĄrios. Os deputados rejeitaram propostas de mudanças ao projeto, que segue para o Senado.

O projeto foi apresentado em 2018 pelo deputado Roberto de Lucena (Podemos-SP) e tramitava em uma comissão especial, onde foi discutido por juristas, advogados, especialistas e deputados.

A relatoria foi entregue ao deputado Carlos Zarattini (PT-SP). Em outubro do ano passado, ele apresentou um parecer preliminar, alvo de crĂ­ticas por excluir artigo sobre atos de improbidade administrativa que atentam contra os princĂ­pios da administração pĂșblica.

Diante das crĂ­ticas recebidas, Zarattini reformulou seu parecer para que fosse votado pelo colegiado. Lira, porém, decidiu retirar o projeto da comissão especial e levar a votação diretamente ao plenĂĄrio.

O presidente da Câmara jĂĄ foi condenado em duas ações por improbidade administrativa na Justiça de Alagoas e pode se beneficiar de eventuais alterações nas regras de punição.

Antes da votação, Lira fez discurso defendendo as mudanças.

"Uns vão dizer que o que fizermos é açodamento. Outros vão dizer que é flexibilização. Vão sempre dizer alguma coisa", disse.

"Mas o importante não é o que dizem. São os nossos atos. Se eles são benéficos para o paĂ­s, se ajudam a melhorar a vida das pessoas."

Lira chamou a legislação vigente de ultrapassada, antiquada e disse que engessa os bons gestores pĂșblicos. Além disso, reconheceu que o texto pode ser aperfeiçoado no futuro.

Em seu discurso, o deputado acusou o procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, MĂĄrio Luiz Sarrubbo, de ter ido a seu gabinete em fevereiro para pedir que não pautasse o projeto de supersalĂĄrios que tramita na Câmara.

"Esta é a função do procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo. Que hoje se arvorou no direito de dizer nas redes sociais que esse projeto é o projeto da impunidade. Vamos tratar daqui a uns dias do que é impunidade no Congresso, no plenĂĄrio desta Casa, com maioria absoluta dos senhores deputados deliberando."

Em nota, o Ministério PĂșblico de São Paulo afirma ser da competĂȘncia do procurador-geral de Justiça "tratar diretamente com os Poderes do Estado dos assuntos de interesse do Ministério PĂșblico".

"A audiĂȘncia a que se refere o eminente presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, deu-se exatamente neste contexto. O diĂĄlogo institucional acerca das matérias que afetam o Ministério PĂșblico configura algo absolutamente republicano", informou, em nota.

"É exatamente esse diĂĄlogo que o MPSP preconiza, neste momento, no que tange ao Projeto de Lei 10887/2018, cujos termos podem transformar a Lei da Improbidade na Lei da Impunidade, algo que contraria frontalmente os interesses da sociedade, destinatĂĄria Ășltima da atuação da nossa instituição."

No Twitter, após a votação, Lira comemorou a aprovação:

"Aprovamos hĂĄ pouco a lei que regulamenta a improbidade administrativa. Todos os lĂ­deres trabalharam com argumentos e respeito. Não vamos nos pautar por versões das redes sociais. Aqui nós promovemos os debates, discutimos e votamos".

A Lei de Improbidade foi promulgada em 1992 em meio às denĂșncias de corrupção no governo de Fernando Collor (1990-1992), com o objetivo de penalizar na ĂĄrea cĂ­vel agentes pĂșblicos envolvidos em desvios.

O principal problema apontado pelos crĂ­ticos é que as regras atuais deixam uma ampla margem de interpretação sobre o que é um ato de improbidade.

Em seu relatório, Zarattini manteve o artigo que trata dos atos que atentam contra os princĂ­pios da administração pĂșblica e incluiu entre as ações o nepotismo e a prĂĄtica de publicidade que personalize programas ou serviços de órgãos pĂșblicos.

Inicialmente, alguns deputados afirmavam que a definição de nepotismo usada permitia a interpretação de que seria possĂ­vel empregar parentes, desde que qualificados para o cargo.

Após crĂ­ticas, o relator decidiu manter o entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal), mais rĂ­gido e que proĂ­be nomeação na administração pĂșblica direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, estados e municĂ­pios, entre outras condições.

O texto prevĂȘ que a improbidade só serĂĄ considerada quando ficar "comprovado o fim de obter um proveito ou benefĂ­cio indevido para si mesmo ou para outra pessoa ou entidade". Pela lei atual, o gestor pode ser punido por ato culposo, sem intenção, mas que prejudique a administração pĂșblica.

Marcelo Bessa, advogado e membro do Instituto de Garantias Penais, defende a mudança.

"Da forma como estava redigido antes o artigo 11, qualquer ato culposo de um prefeito acarretava ações de improbidade, o que trouxe um pânico aos gestores, sobretudo no interior", disse.

"Ninguém queria praticar ato nenhum antes de ter vĂĄrios pareceres, o que acabava travando a própria administração pĂșblica."

Para o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), a mudança é negativa.

"O relatório legaliza a negligĂȘncia na administração pĂșblica. PolĂ­ticos que cometam erros grosseiros com a coisa pĂșblica passam a ter imunidade. É um escĂĄrnio", afirmou.

Zarattini alterou dispositivos que tratam das penas e tirou a penalidade mĂ­nima. Nos atos que envolvem enriquecimento ilĂ­cito, ele ampliou a suspensão dos direitos polĂ­ticos para 14 anos -na lei atual, o perĂ­odo é de 8 a 10 anos. Nas penas para improbidade que causam prejuĂ­zo ao erĂĄrio, a suspensão dos direitos polĂ­ticos passa de 5 a 8 anos para até 12 anos.

Ele retirou a pena de suspensão de direitos polĂ­ticos para quem violar o artigo que dispõe sobre os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princĂ­pios da administração pĂșblica. O relator também diminuiu a multa civil, que passou de até 100 vezes o valor da remuneração recebida para até 24 vezes.

As sanções só poderão ser executadas com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

O relator também determinou que o Ministério PĂșblico tenha exclusividade para propor ações de improbidade administrativa, o que recebeu crĂ­ticas.

"O intuito da Câmara dos Deputados em atualizar a Lei de Improbidade Administrativa é fundamental para garantir mais segurança jurĂ­dica aos gestores pĂșblicos. Entretanto, o texto apresenta um grande retrocesso para a sociedade, pois retira do ente lesado a possibilidade de buscar a reparação do dano e a punição de atos Ă­mprobos", disse Vicente Braga, presidente da Anape (Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF).

Segundo Zarattini, a sentença nos processos de improbidade deve indicar precisamente os fundamentos que demonstrem o ato praticado, "que não podem ser presumidos".

A prescrição passa a ser de oito anos "a partir da ocorrĂȘncia do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanĂȘncia". Além disso, estabelece prazo de 180 dias corridos para que o inquérito civil para apuração do ato de improbidade seja concluĂ­do, "podendo ser prorrogado uma Ășnica vez por igual perĂ­odo, mediante fundamentada justificativa".

Depois disso, caso não se opte pelo arquivamento, a ação deverĂĄ ser proposta em até 30 dias.

Em nota, a Anafe (Associação Nacional dos Advogados PĂșblicos Federais) também manifestou "profunda preocupação" com a votação do projeto.

"Trata-se de uma questão complexa, com reflexos importantes sobre o controle dos atos dos gestores e agentes pĂșblicos, que não poderia, portanto, ser discutida e aprovada de maneira açodada, sem a devida ponderação das consequĂȘncias das mudanças sugeridas para o interesse pĂșblico, notadamente para a adequada defesa do patrimônio pĂșblico."

O QUE PODE MUDAR NA LEI DE IMPROBIDADE
Descrição dos atos de improbidade

– Como estĂĄ hoje: o texto da lei é muito genérico sobre as situações que podem configurar improbidade, deixando margem para que até decisões e erros administrativos sejam enquadrados na legislação;
– O que pode mudar: o projeto de lei traz definições mais precisas sobre as hipóteses de improbidade e prevĂȘ que não configura improbidade a ação ou omissão decorrente da divergĂȘncia interpretativa da lei;

Forma culposa de improbidade
– Como estĂĄ hoje: a lei estabelece que atos culposos, em que houve imprudĂȘncia, negligĂȘncia ou imperĂ­cia podem ser objeto de punição;
– O que pode mudar: proposta deixa na lei apenas a modalidade dolosa (situações nas quais houve intenção de praticar a conduta prejudicial à administração). Medida deve promover redução significativa nas punições, pois é muito mais difĂ­cil apresentar à Justiça provas de que o agente pĂșblico agiu conscientemente para violar a lei;

Titular da ação
– Como estĂĄ hoje: o Ministério PĂșblico e outros órgão pĂșblicos, como a AGU (Advocacia-Geral da União) e as procuradorias municipais podem apresentar as ações de improbidade à Justiça;
– O que pode mudar: o Ministério PĂșblico terĂĄ exclusividade para a propositura das ações segundo a proposta aprovada na Câmara dos Deputados.

Fonte: FOLHAPRESS

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